quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O amola-tesouras

Era fim de semana. Levantei-me de manhã, quer dizer, não era bem manhã era quase meio-dia. Ainda assim fui fazer o pequeno-almoço.
Estava de pé junto à mesa a preparar as torradas e de repente ouvi um som que me fez viajar para trás no tempo. O inconfundível e estridente som da gaita de beiços, o amola tesouras estava na rua!
Nem queria acreditar. Fui à janela e lá ia ele a subir a rua empurrando uma bicicleta.
Morei muitos anos na cidade e quando era pequena, a praceta era diferente, as pessoas eram diferentes, o quotidiano era diferente. Era toda uma vida diferente! Como diz a minha mãe.
O amola tesouras passava regularmente por lá, normalmente ao fim de semana. Lembro-me que não andava de bicicleta, empurrava um carrinho de madeira com uma roda enorme. Afiava facas, tesouras e arranjava chapéus-de-chuva. Deixou de ser uma figura habitual. Coisas que acontecem com o progresso.

Agora moro numa zona marcadamente rural. Há o sapateiro, o barbeiro, a costureira, a oficina das bicicletas, a sociedade recreativa, ouço os gansos e os passarinhos, e agora também, o amola tesouras.


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A sinceridade

Aqueles momentos em que levo a minha filha à escola são muitas vezes aproveitados para mais dois dedos de conversa fiada. Hoje por exemplo, fomos a falar sobre os descobrimentos e a loucura que foi o século XV para os portugueses marinheiros aventureiros. 
Mas ontem, ontem a conversa foi outra.
O carro parado no semáforo vermelho e pergunta ela:
-Mãe, estás a ver aquelas duas raparigas gémeas ali, que idade achas que têm?
Eu olhei à procura, vi as miúdas a atravessar a estrada e disse:
-Bem, talvez tenham uns 15 anos.
-Só 15?? Não sei mãe...acho que parecem muito mais velhas!
Eu não perdi a oportunidade para me tentar afirmar e fiz a conversa aborrecida de mãe chata:
-Pois é natural. São miúdas mas querem parecer mais velhas, maquilham-se e vestem-se como as adultas. Um dia, quando forem mais velhas vão querer andar vestidas como as miúdas e parecer mais novas.
A resposta dela superou as minhas expectativas:
-Pois mãe, é como tu fazes agora!  

Fiquei sem argumentos perante tanta sinceridade.
Desabafei "anda uma mãe a criar uma filha para ouvir destas coisas"! e ela riu-se!